2005-08-26

O Típico Português na praia - Parte II


Depois da odisseia que é encontrar um lugar de estacionamento, sem infringir muitas regras do código da estrada, que o típico português faz por ignorar conforme lhe convém, uma outra odisseia se desenrola.

Carregados com a tralha necessária e desnecessária, não vá alguma coisa fazer falta, a família do típico português arrasta-se por várias dezenas de metros até ao tão desejado areal. Até aqui tudo parecia ser merecedor do esforço, encontrar um areal extenso e solarengo, com um cantinho para se instalar, abrir a sua sombrinha pessoal, saciar a sua sede e refastelar-se na sua cadeira dobrável para trabalhar o bronze. Mas não. A miragem de tão ansiado descanso desfaz-se em segundos quando enterra os seus chinelos na areia quente, super povoada e suja de pauzinhos de gelado, sacos do Continente, fraldas sujas, maços de tabaco e outros desperdícios que tais.

Repuxando os seus óculos escuros Ray Ban para cima da nuca já suada pelo calor e pelo esforço, aguça a visão à procura daquele lugar ao sol...
Enquanto isso já os pequenos vão dando xutos na bola, pisando toalhas e enterrando as pastilhas na areia.

Quando enfim já instalados, preparam-se efusivamente para os primeiros banhos de mar, fazem turnos para tomar conta das coisas, escondem a carteira nos ténis ou na toalha e começam por expor o branco corpinho ao sol exibindo as desgraças e excessos do Natal, Ano Novo, Páscoa, aniversários e por aí fora. Uns são contra o protector solar – porque hoje ainda não tá assim tão quente – e outros tão fervorosos que se besuntam como se fossem um pedaço de carne para assar.

A praia é sem dúvida um palco de um teatro com muitos actos, e é aqui que o típico português se divide em vários grupos. Há o grupo dos “solitários” que levam a toalha, um livro e a carteira, esparramam-se ao sol durante várias horas virando de vez em quando para tostar dos dois lados, enterram um maço de beatas na areia e saiem para ir ao tasquinho mais próximo dar uma trinca.

Há também o grupo da “família”, vão todos e mais alguns, instalam-se como num acampamento, incomodam toda a gente com o rádio aos berros, os putos refilões e mal-educados, o cão que já fez umas quantas corridas pela vizinhança metendo areia nas toalhas delicadamente estendidas e já abriu um buraco no qual depositou um trolho que deixou ali ao pé do saco de praia (que saiu numa dessas revistas) da vizinha; os mais adolescentes já armaram confusão com a bola de futebol que entornou o protector solar da tia.

Ilustração por Rui Pedro Batista " Beach Italic"


Há ainda o grupo dos “casalinhos” que se passeiam à beira-mar de mãos dadas completamente embevecidos entre si e o alvo predilecto de um outro grupo os “oportunistas” que aproveitam a deixa para levar até um par de Levi’s coçado e um leitor de cd’s que até já não é assim tão novo.

De manhã ao entardecer o areal transforma-se numa passerelle de típicos portugueses a usufruir das suas suadas férias. Desde os tenros rebentos que gritam a todo pulmão – porque é que eu não fiquei em casa – aos mais cotas refugiados na sombra do chapéu e da memória, passando pelos “surfistas”, “camones”, “camarões”,” telas humanas”, “olhem para o meu monoquini” e “baleias assassinas” todos eles no seu pequeno mundo que é só seu, se comportam como um bom e típico português: esquecendo-se completamente das regras de convivência em sociedade.