2005-08-26

Casos Reais

Enquanto escrevia os textos sobre o típico português na praia, pedi ao André, de doze anos, que fizesse um desenho sobre o tema. Próprio da idade fez uma prancha de surf com o título do blog e com um pequeno desenho do qual eu supunha ser um surfista a fazer um tubo. Qual o meu espanto quando vi um bonequinho com um balão a pedir socorro. Quando o indaguei acerca do desenho a resposta não podia ter sido melhor – “Há sempre uns, armados em bons, vão para as g’andas ondas e depois com os braços no ar põem-se a gritar socorro!”

Mais uma para o Típico Português, que não importa que o mar esteja bravo, a bandeira vermelha ou praia sem vigia, o seu sangue de marinheiro fala mais alto e descura a segurança em troca de umas ondas...

O Típico Português... e a arte de atirar papéis para o chão

...enquanto faço umas pequenas incursões nas ruas da cidade na hora de almoço, reparo sempre no esforço hercúleo dos cantoneiros da câmara para limpar todos os pequenos nadas que incomodam tanto o típico português que em poucos segundos tem que se ver livre deles, não fosse a sua capacidade mental ficar afectada de alguma forma.

Os bilhetes do metro, o talão do Multibanco, o lenço de papel ranhoso, a pastilha elástica (e seu respectivo papelinho de embrulho), o celofane do maço tabaco (já para não falar nas beatas), o papel do rebuçado, o guardanapo da sandes, o jornal gratuito e por aí fora. Podia-se fazer uma investigação ao estilo do CSI só com os despojos deixados pela calçada.

Tudo isto porque o típico português, muito imiscuído na sua vidinha, não faz desvios ao trajecto para passar perto de um dos milhares de caixotes de lixo espalhados por essa cidade fora.

Assisti eu, enquanto passava por uma caixa Multibanco onde a fila já era de três pessoas, uma típica portuguesa, (e decidi fazer distinção porque esperava de tal pessoa um pouco mais de sensibilidade, que isto de ser típico português não escolhe géneros), amachucou mais silenciosamente possível um pequeno papel no interior da palma da mão, olhou disfarçadamente para ambos os lados, estendeu o braço ao longo do corpo, abriu a mão lentamente deixando cair o papel e olhando sempre em frente fez dois remoinhos nas pontas do cabelo e com um ar – que isto não é nada comigo – continuou na fila à espera da sua vez.

Infelizmente a mim coube-me murmurar entre dentes – que bonito! – Sem nada dizer e nada fazer porque devido a confrontos anteriores a resposta devolvida é sempre a mesma : os varredores têm que fazer alguma coisa!

O Típico Português na praia - Parte II


Depois da odisseia que é encontrar um lugar de estacionamento, sem infringir muitas regras do código da estrada, que o típico português faz por ignorar conforme lhe convém, uma outra odisseia se desenrola.

Carregados com a tralha necessária e desnecessária, não vá alguma coisa fazer falta, a família do típico português arrasta-se por várias dezenas de metros até ao tão desejado areal. Até aqui tudo parecia ser merecedor do esforço, encontrar um areal extenso e solarengo, com um cantinho para se instalar, abrir a sua sombrinha pessoal, saciar a sua sede e refastelar-se na sua cadeira dobrável para trabalhar o bronze. Mas não. A miragem de tão ansiado descanso desfaz-se em segundos quando enterra os seus chinelos na areia quente, super povoada e suja de pauzinhos de gelado, sacos do Continente, fraldas sujas, maços de tabaco e outros desperdícios que tais.

Repuxando os seus óculos escuros Ray Ban para cima da nuca já suada pelo calor e pelo esforço, aguça a visão à procura daquele lugar ao sol...
Enquanto isso já os pequenos vão dando xutos na bola, pisando toalhas e enterrando as pastilhas na areia.

Quando enfim já instalados, preparam-se efusivamente para os primeiros banhos de mar, fazem turnos para tomar conta das coisas, escondem a carteira nos ténis ou na toalha e começam por expor o branco corpinho ao sol exibindo as desgraças e excessos do Natal, Ano Novo, Páscoa, aniversários e por aí fora. Uns são contra o protector solar – porque hoje ainda não tá assim tão quente – e outros tão fervorosos que se besuntam como se fossem um pedaço de carne para assar.

A praia é sem dúvida um palco de um teatro com muitos actos, e é aqui que o típico português se divide em vários grupos. Há o grupo dos “solitários” que levam a toalha, um livro e a carteira, esparramam-se ao sol durante várias horas virando de vez em quando para tostar dos dois lados, enterram um maço de beatas na areia e saiem para ir ao tasquinho mais próximo dar uma trinca.

Há também o grupo da “família”, vão todos e mais alguns, instalam-se como num acampamento, incomodam toda a gente com o rádio aos berros, os putos refilões e mal-educados, o cão que já fez umas quantas corridas pela vizinhança metendo areia nas toalhas delicadamente estendidas e já abriu um buraco no qual depositou um trolho que deixou ali ao pé do saco de praia (que saiu numa dessas revistas) da vizinha; os mais adolescentes já armaram confusão com a bola de futebol que entornou o protector solar da tia.

Ilustração por Rui Pedro Batista " Beach Italic"


Há ainda o grupo dos “casalinhos” que se passeiam à beira-mar de mãos dadas completamente embevecidos entre si e o alvo predilecto de um outro grupo os “oportunistas” que aproveitam a deixa para levar até um par de Levi’s coçado e um leitor de cd’s que até já não é assim tão novo.

De manhã ao entardecer o areal transforma-se numa passerelle de típicos portugueses a usufruir das suas suadas férias. Desde os tenros rebentos que gritam a todo pulmão – porque é que eu não fiquei em casa – aos mais cotas refugiados na sombra do chapéu e da memória, passando pelos “surfistas”, “camones”, “camarões”,” telas humanas”, “olhem para o meu monoquini” e “baleias assassinas” todos eles no seu pequeno mundo que é só seu, se comportam como um bom e típico português: esquecendo-se completamente das regras de convivência em sociedade.

2005-08-23

O Típico Português... na praia



Um tema mais que adequado e que tem tudo a ver com a época de veraneio em que nos encontramos.
Ora bem, o típico português, com a chegada das típicas férias "grandes", desloca-se com grande entusiasmo e perseverança para a nossa fantástica costa portuguesa. Seja sul, centro ou norte, terrivelmente sufocante e caótico ou estupidamente frio e ventoso, o certo é que no inicio desta importantissima época balnear é dificil não notar as romarias em direcção à praia.
Claro está que uma ida à praia não é algo que o típico português tome de ânimo leve, não, pois bem, tem que haver uma série de medidas a tomar de modo a que umas breves horas de corpinho ao sol se tornem compensatórias dos ultimos seis meses de trabalho. Por isso antes de iniciar a sua viagem até ao pedacinho de areia e descanso merecidos, o típico português apetrecha-se adequadamente.
Os calções de banho O'nneal folclóricos, a T-shirt da corrida na ponte 25 de Abril do ano passado, a chinela da loja do chinês e o boné com as letras NY, sem faltar claro os óculos escuros Ray Ban contrafeitos. O farnel indispensável vem sempre numa geleira azul, com as típicas sandes de ovo mexido, os croquetes e rissois e para ajudar a empurrar uma bejeca fresquinha. Não podia faltar igualmente os indispensáveis acessórios para que o típico português se sinta tão confortável como em sua casa: a toalha de banho com as caravelas, sereias, âncoras e rodas de leme, muito típicas, não fosse este um país de marinheiros, a manta tipo alentejana, o chápeu de sol tricolorido e floreado, o tapa-vento "não vá o diabo tece-las", as cadeirinhas desdobráveis e a mesa de plástico que tanta falta faz.
Mas não só com conforto se passa um dia na praia. O típico português gosta ter sempre algo para os seus momentos de entretenimento, as raquetes de ténis, o rádio leitor de k7 com o nosso pimba português, as bolas, boias e colchões insufláveis, a piscina e os baldinhos de plásticos para os mais pequenos, o fresbee para o cão, o caderninho de palavras cruzadas e a revista para a Maria

Após ter encafunhado toda a parafernália e a família no seu veículo, senta-se ao volante, mostrando o seu sorriso amarelado mas confiante, e enfrenta com uma tranquila agonia duas a três horas de trânsito compacto, sobre um sol abrasador, mas com orgulho de dever cumprido.

Ilustração por Rui Pedro Batista